quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

alguém se zangou contigo?

alguém se zangou contigo? alguém quis que sofresses assim?
estranhas-me? é possível. nunca te fui próxima. nem sei os teus segredos. tão pouco o teu valor. cheiro ou cor.
deixa-me ter-te nestas palavras. não te demorarei. não ouso a isso, nesta tua dor, prometo.
porque choravas assim? convulsivamente, arrastavas não o que te magoa, mas o que te faz. sim, ainda faz. não me enganei. quis alguém que se te esventrasse essa dor, do mais dentro de ti. porque é do mais dentro de ti que choras. revoltam-se em tumulto as tuas memórias que habitam em ti. e na cor da terra, das tuas raízes, entorpeces e deixas que te matem. tu, vulnerável, a uma força que não é tua, deixas morrer. e choras. em torrentes. rasgas, porque é tão profunda a dor, cada pedaço de ti. não te deixes morrer.


- Conta nº 1626371377, NIB nº 003800011626371377113 do Banif


- Conta Banif Solidariedade Com as Vítimas da Madeira, NIB: 0038 0040 50070070771 11


- Conta “Solidariedade BBVA – Colabore com a Madeira” NIB: 0019.0001.00200181689.15


- Conta "BES Madeira Solidário", com o NIB: 000700000083428293623


- Conta Santander Totta "Solidariedade com a Madeira": NIB 001800032271378802021


- Solidariedade BBVA "Colabore com a Madeira": NIB 001900010020018168915


- Millennium BCP "Vítimas do Temporal da Madeira": NIB 003300000025125124405


- Barclays "Conta Madeira", 003204700020325226041


- MediaCapital: 760 100 999 e cada chamada dá 50 cêntimos.

- CTT - recolha de bens essenciais -  Lençóis Cobertores Mantas Almofadas Roupa interior (H/ S e criança) Roupa em geral Produtos de higiene Fraldas Leite em pó Comida para bebé Enlatados - colocar numa caixa com a palavra "MADEIRA" e entregar em qualquer estação de correios

 



atraiçoa-me, por ínfimos momentos, a preguiça ao compromisso do futuro com os escassos quinze minutos a que me permito, em ritual, diariamente, antes de me levantar. rituais. fecho a porta atrás de mim em som seco e amadeirado, levemente metálico. detenho-me em mimos ao gogh e à sahyd, acompanhados da linguagem que só eles percebem (espero!). abro o portão, ainda o mesmo desde há vinte e quatro anos, que me separa do meu conforto físico e o mundo. sempre negro, o portão. não o lembro doutra cor. circunscreve-se à cor. na direcção certa dos últimos tempos, sigo com as vozes que, em loucura matinal, orquestram os quarenta minutos que me separam da chegada. iniciais de vias que não me interessam, nomes de ruas e avenidas que (se) irromperam de outros inusitados hábitos. não gosto de hábitos. lá longe, tão longe, o sol que me cega na tentativa última de me despertar. consegue, nao cegando. erguem-se em tumultos tranquilos o confronto do rio e do mar. quase nunca lhes vislumbro a serenidade do encontro. hoje dourava-os o sol. que inquebrável folha de ouro se espraiava em infinitude... vejo-os sempre, porque não gosto de hábitos, em cores que variam de Turner, Bacon e Kandinsky. em confrontos, também. sigo ao vosso lado, e depois, só ao lado dele. desencontro-me, depois, na física da presença. embranham-se-me outros pedaços de cidade. ruas. com a toponímia por extenso. labirínticas. cruzam-se, desencontram-se e conhecem-se novamente. pessoas. cruzam-se. desencontram-se. e conhecem-se.
chuva. martela sem remorsos o pátio lá fora. e compõem a sinfonia cadenciada da sua intensidade. não perdoa. não perdoa nunca. num automatismo da ordem da natureza, os dias arrastam-se. em luz. penumbra, depois. é altura de encontrá-los, a eles, aos dois, novamente.

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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

ipsis verbis




[mais um, conjugado na 2ª pessoa do singular. em tempos verbais intemporais. sem destinatário. novamente: sem destinatário]

pode ser que um dia se ausente em ti a lembrança de esqueceres tudo o quanto transmiti. pode ser que um dia assumas tudo o quanto negas e repudias. pode ser que um dia - não sei quando, confesso-te - caminhes em direcção diametralmente oposta ao tempo do passado que não ousas desamarrar. pode ser que um dia se dissipe a tez negra que conforta a inércia - a tua, tão tua. pode ser que um dia - um desses que virão - encontres a transparência do hoje, em sequência dum outrora carregado em opacidade. pode ser que um dia te deixes de ensaios de esboços de medo. pode ser que um dia inicies um prelúdio em tempo real. pode ser que um dia saibas querer, agora. pode ser que um dia sintas o abraço abstracto que, hoje, não sentes. pode ser que um dia, que não é hoje, encontres o que perdeste sempre que partiste. sem a promessa de regresso, nunca. pode ser que um dia, não hajam mais dias. pode ser que um dia, finalmente, sejas hoje, e não ontem. ponto final.

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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

o porteiro

desconheço as horas que passa aguardando, elegantemente, por aqueles que pernoitam naquele lugar. desconheço os números de automóveis que vê passar, lá fora, na rua de som texturado dum conzento profundo. desconheço as origens da sua cortesia. desconheço as raízes do orgulho em dizer que pessoas importantes vão passando pelas paredes do convento. desconheço quantas folhas caídas terá colhido no lugar duma lisboa que respirou, outrora, garrett. desconheço porque terá escolhido o número 32, dessa rua onde o velho verde das madeiras das janelas, inchadas por noites longas, e dias ainda mais longos, deu lugar a outras matérias modernas. desconheço porque razão me rasga um largo sorriso sempre que trespasso o portão bruto de ferro, que me desliza, por vezes, do cuidado, ressoando o estrondo naquela entrada. desconheço porque me detém sempre em conversas (algumas de circunstância). desconheço os motivos que o levavam a perguntar, todas as vezes que irrompo para lá dos muros conventuais com a carga das ferramentas do ofício, se desejo que transporte todo o peso acessório escadas acima até ao meu destino.

desconheço. desconhecia.

hoje fiz-me deter na conversa, regressada dum almoço.

hoje sei-lhe as suas feições na luz rasante da tarde.

hoje quis saber o seu nome. senhor josé luís. o porteiro.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

sintra, 20.32h

já o escrevi, não sei se uma, duas ou mais vezes: escrevo para mim. de mim para mim. desenganem-se, aqueles que lêem, com supostos destinatários de textos escritos usando a 2ª pessoa do singular, conjugada em todos os verbos aí escritos. é-me mais fácil escrever assim, confesso. não que me apeteça a preguiça mental de evitar a complexidade dos meandros dos canais por onde escrevo. apenas e só: é-me mais fácil. e mesmo sendo fácil, ainda ecoam "oh ana, percebi zero do que escreveste." penso: escrevo para mim. acto isolado e egoísta. é. não tenho receio de escrever de novo: é. em todas as dimensões e amplitudes. mas deixa de o ser quando transmito: mon(dia)ólogos de mim para mim.

gosto de escrever. acho que sempre gostei. desde cedo, lembro-me. pensava (penso) muito nas coisas. introduzo variáveis inexistentes numa equação que torno complicada e irresolúvel. e não sendo resolúvel, não chega também qualquer conclusão concreta. ou antes, chega. escrevia extensas cartas a destinatários concretos, reais. e nisso aprendi a fazer ressoar a voz das palavras. e as minhas,a através delas.

escrever. encontro. de mim em mim. de mim com os outros.

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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

madragam

madragam.
estás esquecida.
ultimamente nem tanto, justiça seja feita. mas quem te vê de longe, numa superficialidade assustada, acredita que sim, que estás de facto esquecida. eu gosto de ti. muito, para ser sincera. e cada dia mais. não é uma paixão repentina. porque também eu um dia acreditei, assustada, que estavas esquecida. sinto(-te) na aurora do dia, quando a cidade acorda. e no crepúsculo, também. e sinto e olho os rostos duros e plásticos que habitam em ti. e também gosto desse contraste. não só dos rostos. mas também dos lugares que vão vivendo em ti. os que nasceram de ti e os que adoptaste entretanto. educa-os, e não permitas que se percam por aí.

aurora. que te apaga a noite, para reescrevê-la horas mais tarde. sim. os primeiros odores adormecidos numa lânguida escuridão, exaltam-se com a bruma que se desprende de ti. que desprendes, porque só te esconde e te ensombra. regressas, depois duma aparente anabiose. pretensa, verdade. tens razão. ausenta-se saber que não esmoreces de noite. brilhas e não brilhas - e para mim brilhas sempre. adensam-se em ti lugares - lugares, sim - que te fazem permanecer com fulgor desconhecido. lugares das gentes. dos rostos duros e plásticos. e todos os outros que ficam neste intervalo. deixas passear a vaidade e a penúria. e ainda assim povoas de logro todos os quantos que te desconhecem, e viajam em e por esperanças ou memórias nobiliárquicas.  e não te incomodas com isso. aliás, és tu, assim. ouves as conversas que existem em ti - escutas cada palavra que ecoa em sons vernáculos em cada rua tua. e não te importas com as horas estendidas no avançar da noite. contas e fazes contar as his(es)tórias. não te apatece a vaidade. a tua. em ti. nunca te ofereceste dessa maneira. e deixas que a descoberta - a tua - não assuste os que ainda se lembram de ti.

vivo-te diariamente. sinto-te crescentemente. lembro-te, porque nunca me esqueço. gosto de ti. tanto.

madragoa. MADRAGOA|

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