quarta-feira, 19 de maio de 2010

lugar submerso

acredito que ainda hoje respira submerso... aquele lugar.

a construção tosca, saída das mãos de quem vê nas nuvens que vai chover amanhã ou depois. tosca. não havia parede direita, em prumo de perfeição. o claro e o escuro da textura ficava-lhe bem. a casa. das paredes, do chão, das portadas, das cores e das memórias.
à entrada os olhos azuis profundos que me esperavam sempre. na cadeira também ela tosca. a renda em perfeição, tecida no tear das mãos. cabelo branco, profundo. e o sorriso que não quero que a memória apague. o cheiro a estevas, e o cantar das cigarras no pico do calor. entrar naquele lugar aproximava-me das fantasias primitivas de qualquer criança. o baloiço, no eucalipto. o riacho em transparência. os animais. os mitos dos lobos. as cores. os cheiros.
os cheiros. qunado a noite caía, a candeia de petróleo exalava o cheiro da luz que fazia trémulas as paredes. toscas. as portadas ainda abertas, e a noite lá fora. quente. lembro-a sempre quente. e a madeira a estalar de cansaço do quente do dia. ainda os grilos a cantar, e eu a querer encontrar um. as sombras que deambulavam no luar que irrompia, sem licença. e algumas gigantes, que (me) traziam o medo. a rede que se suspendia, qual dossel, por cima de mim, aconchegando-me os sonhos, sem zumbidos de insectos da serra.
manhã. o sol so chegava já o dia ia quase a meio. no vale, o calor já se condensava. na cozinha, amarela, e ainda mais amarela com a luz que chegava, os rituais da manhã. as pataniscas com o mel. e não haverá leite nenhum que me saiba, sequer, como aquele ordenhado com as mãos duma vida, da Mimosa no palheiro. tentei uma vez a ordenha, as minhas mãos trémulas de 4 anos - lembro-me -, e o desalento de não conseguir uma pinga de leite da Mimosa. o cheiro da palha sub os pés e a ajuda de carregar um balde de leite, como a tarefa mais honrosa do dia. ainda hoje, pataniscas têm de ser acompanhadas com leite. e voltava ao amarelo, ainda mais amarelo, da cozinha. a mesa que me chegava ao queixo.
la fora as videiras em verde vivo, no branco da cal. os animais que por ali andavam, e eu a correr atrás deles. o baloiço suspenso no eucalipto; cortiça com cordas que me levava em instantes a consideráveis metros do chão. e a mota casal que me levava, a pendura, às memórias de quem ali cresceu.

este lugar, submerso, lá.

emerso, aqui.