sábado, 19 de dezembro de 2009


cruzámo-nos? lembraste? não. claro que não te lembras.
 lembro-te.
cruzámo-nos numa dessas ruas esquálidas da cidade em fogo do fim de tarde. cruzámo-nos sem sinfonias e slow motion à mistura. cruzámo-nos, sem mais. foi nesse dia. não me lembro desse dia. levei-te comigo, a algum lugar. e levaste-me contigo, a um outro. e depois fomos para cada lugar nosso. lembraste disto? não. claro que não.
lembro-te.
na manta de retalhos que aconchegam a cidade nessa natureza tão própria, bebíamos as palavras. as minhas, as tuas... um dia as nossas. a luz rasante iluminava-te as feições que não me lembro de ter recordado. iluminava-te as palavras, convenhamos. porque nunca te tinha ouvido falar assim. (riste-te, por esta altura, perguntando, como seria possível?) via-se a cidade dali. e ela ouvia-nos. não, não é presunção. ouvia-nos de facto. lembraste de te ter dito isso? não, claro que não.
eu lembro-te.
disse-o. e disse mais qualquer coisa, tanto, que entrei numa divagação louca de metáforas que encerravam o sentir. sentir. agora, hoje e tudo. outrora, ontem e nada. sentes? lembraste de sentir? não. claro que não.
não te lembro.
quisesses tu sentir, e eu tinha-te levado pela mão. a lugares. onde nunca estive. sabendo que tu também não. larguei-te a mão. porque não quiseste. e não quiseste nunca. lembraste de não querer? sim. claro que sim.
disso, sim.
cruzámo-nos. lembraste? não. claro que não. lembro-te. cruzámo-nos. e nesse instante, nada mais restou  que a memória trémula dos dias que não chegaram.

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