quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

atraiçoa-me, por ínfimos momentos, a preguiça ao compromisso do futuro com os escassos quinze minutos a que me permito, em ritual, diariamente, antes de me levantar. rituais. fecho a porta atrás de mim em som seco e amadeirado, levemente metálico. detenho-me em mimos ao gogh e à sahyd, acompanhados da linguagem que só eles percebem (espero!). abro o portão, ainda o mesmo desde há vinte e quatro anos, que me separa do meu conforto físico e o mundo. sempre negro, o portão. não o lembro doutra cor. circunscreve-se à cor. na direcção certa dos últimos tempos, sigo com as vozes que, em loucura matinal, orquestram os quarenta minutos que me separam da chegada. iniciais de vias que não me interessam, nomes de ruas e avenidas que (se) irromperam de outros inusitados hábitos. não gosto de hábitos. lá longe, tão longe, o sol que me cega na tentativa última de me despertar. consegue, nao cegando. erguem-se em tumultos tranquilos o confronto do rio e do mar. quase nunca lhes vislumbro a serenidade do encontro. hoje dourava-os o sol. que inquebrável folha de ouro se espraiava em infinitude... vejo-os sempre, porque não gosto de hábitos, em cores que variam de Turner, Bacon e Kandinsky. em confrontos, também. sigo ao vosso lado, e depois, só ao lado dele. desencontro-me, depois, na física da presença. embranham-se-me outros pedaços de cidade. ruas. com a toponímia por extenso. labirínticas. cruzam-se, desencontram-se e conhecem-se novamente. pessoas. cruzam-se. desencontram-se. e conhecem-se.
chuva. martela sem remorsos o pátio lá fora. e compõem a sinfonia cadenciada da sua intensidade. não perdoa. não perdoa nunca. num automatismo da ordem da natureza, os dias arrastam-se. em luz. penumbra, depois. é altura de encontrá-los, a eles, aos dois, novamente.

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