sábado, 6 de março de 2010

mem*tick


faço questão de perpetuar uma mania antiga dum certo coleccionismo, a roçar o doentio, de momentos da minha vida. depurando-se ao longo dos anos,e  tornando-se menos radical, sempre guardei toda a parafernália de pedaços de papel que me remetessem ao tempo e lugar dum determinado momento. no início eram desde recortes de jornais de dias específicos (aliás, eram os jornais inteiros que guardava), facturas (!!?!?!?) etiquetas de roupa, bilhetes (exposições, concertos, eventos, cinema, avião, etc), pacotes de açúcar.... Presentemente reduzo-me a guardar bilhetes. de tudo.

um dia dos que passou, deparei-me com este mundo de memórias, religiosamente guardado numa das gavetas em explosão iminente. sentei-me. e acolhi-me num lugar da memória que me deixa o o doce sabor de as ter vivido duma forma tão intensa. acontece que, aquele pedaço de papel quase me materializa a realidade em que aconteceu. são bilhetes eles próprios, e bilhetes novamente quando me levam. e as pessoas que estavam. e as que nunca estiveram. e também as que gostava que estivessem. verdade. são momentos particulares. com luzes, cheiros e imagens que permanecem. são pequenas vicissitudes mundanas que me fazem querer que partilhasse aquelas fracções de segundo com determinada pessoa. as luzes que esmorecem e mais um fim de espectáculo, que inicia um outro. são essas cadências, quiçá metafísicas, que me devolvem aos lugares.

há grandes momentos revelados secretamente em cada fragmento de papel. de todos os que aparecem a inaugurar estas palavras. e de todos os outros que não se vêm. do frio polar de Kiruna e Nikkaluokta ao tropicalismo duma república dominicana existe toda uma amplitude térmica de vivências que me marcaram. Recordo o chocolate quente em amesterdão com o Pedro e a Ana, num lugar saído duma década longíqua de 20; a minha incursão solitária (porque gosto) pelas ruas dessa mesma cidade e as emoções de cheirar a vida de Rembrandt e Anne Frank; o Stedelijk em obras e temporário com a comemoração da Magnum; a chuva no alto de St. Paul's; a lareira acesa por um autóctone em -32ºC de Nikkaluokta; a luz vibrante de la Pedrera ao final da tarde; um regresso à infância em Ultrecht; o deslumbramento da Tate Modern; a magia de Escher; a sombra tão íntima do Hot Club; as cores vivas ao sol dum final de tarde em Veneza; sentir o meu coração parar no Maurithuis com Vermeer; a viagem absoluta do espaço da Vieira da Silva; o eco perpétuo de Peal Jam; as longas horas passadas em comboios; as incursões e deambulações urbanas que me enchem e preenchem; entre estes pontos existem tantos outros  nos entretantos que recordo.

Vivi cada um deles, e todos os outros compreendidos em cada intervalo, da maneira intensa que para mim faz sentido. E isto, com o imenso significado que se engrandece, faz-me querer viver sempre mais. e intensamente. aqui e noutros sítios. contigo ou simplesmente na minha confortável solidão.


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