quarta-feira, 10 de março de 2010

sprang



[algures entre estocolmo e kiruna]

escreveste-me há dois dias. já me tinhas escrito há mais dias, que fazem meses, mas não te escrevi resposta. acto inadvertido e involuntário. mas nesses mesmos há dois dias, sentei-me e escrevi as palavras numa língua que não é minha. nem tua. é um encontro anglo-saxónico entre a génese latina e a germânica.

encontro. entrei naquele comboio em estocolmo numa gélida manhã do prelúdio do ano. antes, deslumbrava-me com a imensidão da estação central e aconchegava-me saber que iria escrever em tempo real uma das mais marcantes experiências que tive. não o sabia, então. aleatoriamente, sentei-me junto da janela. sempre junto da janela, porque gosto de ver. e, verdade, que saindo de estocolmo, só iria ver neve. em espessura e cores que nunca tinha visto rematada pela imponência de árvores que não lhes sei os nomes. pontualmente, rompia-se a monotonia duma esrita palete de cor, para variar em encarnados escuros. as casas. sozinhas.

seriam dezassete horas confinada àquele espaço transversalmente exíguo, longitudinalmente imenso. levantei-me variadas vezes, regressando ao lugar primeiro que me tinha acolhido depois da partida. houve a vez em que me sentei à tua frente. e foi esse o lugar que mantive até à chegada.


perguntaste-me o trivial em início de conversa. em crescendo, o diálogo arrancou a distância geográfica que nos separava no início para, naqueles metros quadrados deslizantes, saber-te próximo de mim. frente a frente. em diálogo. falaste-me duma imensidão de coisas que ainda hoje recordo. em coisas triviais. devolvem-se-me as memórias àquela cadência temporal que ousaste quebrar. saiste numa qualquer estação com um nome estranhíssimo. continuei. não sem antes te despedires com um forte abraço e me teres feito prometer que te enviaria a foto que tirámos. enviei. e enviei-te, agora, novamente. segui o caminho, onde a neve me esperava e temperaturas que julgava apenas existirem em (hist)estórias também. mas esperava-me a promessa defraudada duma aurora boreal não fosse a tempestade de neve que se arrancou das entranhas duma terra anunciada de ninguém. a demora duma luz em fim de dia refractava-se nas cores quentes que aquele lugar não augurava.


a tua figura ecoou-se-me durante esses dias no lugar perdido num círculo polar. estava certa que o nosso encontro se extinguira naquela fracção de tempo. quase que poderia ter assegurado este mundo e o outro em como não te voltaria a ver. já regressava depois de ter visto novas cores e ter sentido um novo frio. o comboio arrastava-se longamente no infinito dos carris que me devolveriam a estocolmo. parava ocasionalmente numa dessas estações. e, mais demoradamente, parou numa. e uma vítrea batida rítmica acordou-me do sono que me trazia desde há umas horas atrás. olhei, sem perceber quem se enevoava no bafo embaciado sustido pelo vidro. juro que não liguei. continuava. em recurso desesperado, entras no comboio  - e não sei descrever a felicidade que te carregava na altura. abaçaste-me longamente. e disseste-me que tinhas ido esperar o comboio para que me visses uma outra vez. e viste.

há dois dias escreveste-me, e, agora, respondi-te. tens-me escrito uma e outra vez, e várias vezes, muitas vezes, e muitas vezes te respondo. todas as vezes, até à última que faltei com a resposta.

naquele dia, Kiruna, 20 de Janeiro 2008.
hoje, Sintra, 10 de Março 2010

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