segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

encarcerados num corpo indolente

não foi a primeira nem será, concerteza, a última vez que se discute e ética da prática da eutanásia. Já em tempos idos, e a memória recorda-me vagamente, da Ramón Sampedro, e a sétima arte avivou-me a dita, com Mar Adentro. Hoje discute-se a morte de Eluana Englaro, aprisionada num corpo que já não comandava há mais de 17 anos.
Pois é. Eutanásia mexe com uma infinidade de questões que vão desde a ética à ciência, da antropologia à teologia. Certo, certo, é que não concebo uma vida presa, encarcerada, dependente, indolente sob nenhuma forma sob os desígnios de não sei muito bem quem. E, como tal [não querendo enveredar por um caminho teológico, porque estaríamos aqui uma vida] a vida é sinónimo de liberdade. E liberdade pressupõe que ninguém tenha que estar preso a uma cama dum qualquer hospital, sobrevivendo à mercê duma qualquer máquina... Eu pergunto, é nosso o egoísmo [dos que ficam] e, por conforto, queremos que aquele corpo esteja ali - porque a alma já há muito partiu? Ou será perceber que a matéria tem de acompanhar uma essência que já não está cá? Ou será também perceber que viver é um direito, e não uma obrigação - para niguém? Que viver, também é viver condignamente?
Nenhum médico é deus, e deus também não é médico. o meu deus, que também é o vosso, varia também na forma, se existe, porque permitiria ceifar a alma dum corpo na pujança da idade [e que não estivesse!]? ou ceifar um corpo com a alma? Viver não se resume a sobreviver... É tão, mas tão mais que isso. E em clausura das emoções que não se expressam, do sorriso que não se esboça, da olhar - perdido, da voz que não ecoa, do caminhar que não caminha, do tocar e não sentir, da consciência que, nalguns casos, prefere que a alma parta também, da revolta que fica como o corpo - em clausura, da paz que surge, por fim, na partida.
E, por favor, o cinismo do vaticano e o parvalhão do berlusconi que se abstenham das posturas pseudo-morais. Porque moral, tanto num lado como noutro, é coisa que não abunda por ali!
Eu sei que isto é altamente polémico, e quem trabalha nas áreas da ciência e medicina dir-me-á que há progressos que vão no sentido de, cada vez mais, minimizar uma situação desta natureza. Mas, e eu pergunto, e entre esse entretanto e o momento do "ser verosímil e efectivo"? O que é que acontece? Corpos vagabundos de alma e de vontades e de decisões e de LIBERDADE continuarão ali? A vida não é assim. Nao deve ser assim.

Mar Adentro

Mar adentro,
mar adentro.

Y en la ingravidez del fondo
donde se cumplen los sueños
se juntan dos voluntades
para cumplir un deseo.

Un beso enciende la vida
con un relámpago y un trueno
y en una metamorfosis
mi cuerpo no es ya mi cuerpo,
es como penetrar al centro del universo.

El abrazo más pueril
y el más puro de los besos
hasta vernos reducidos
en un único deseo.

Tu mirada y mi mirada
como un eco repitiendo, sin palabras
'más adentro', 'más adentro'
hasta el más allá del todo
por la sangre y por los huesos.

Pero me despierto siempre
y siempre quiero estar muerto,
para seguir con mi boca
enredada en tus cabellos.

Ramón Sampedro


Riposi in pace, E.

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