quarta-feira, 30 de junho de 2010

[tenho a certeza que não cometo inconfidência ao transcrever umas linhas enviadas... mas e como não me tem sobrado muito tempo para escrever, aqui ficam algumas impressões, reflexões - algo disconexas ]

Meu querido Luís Miguel,



Duas coisas muito breves antes de iniciar estas linhas:


1. “e é tão recompensadora a recompensa...” pleonasticamente delicioso!gosto!


2. 160 caracteres em portugal – bem me parecia – mas os teus 140 anunciados não se encontram tão longe da verdade: em terras anglo-saxónicas são, de facto, 140. poupadinhos eles. E a diferença de 20 caracteres, faz moça. Especialmente quando há pessoas que querem escrever este mundo e o outro num sms.


Encontro-me neste momento num comboio com origem em cambridge e destino a londres, kings corss. Antes de sair de casa, fui ver os mails e – felicidade – constava um teu. Copiei o conteúdo para um documento em word, gravei no desktop para poder ler, com a calma que me mereces, durante a minha viagem. [não é um processo extraordinário, mas apeteceu-me relatá-lo]. E, permite-me, vou começar pelo fim.


Cheque em branco. Há todo um mundo de situações que, sim, nunca partilhámos. Mas, também te digo, que num arrastar de dois anos desenvolveu-se, sedimentou-se e continua a crescer uma amizade que, incrivelmente – e considerando circunstâncias várias – não se esperava. Repito, não se esperava. Porque há denominadores comuns a diversas amizades, numa compreensão transversal, entenda-se. Os tais momentos mundanos, triviais se quiseres, que no seu conjunto e singularmente galvanizam e consubstanciam as relações. Todas, sem excepção. E a verdade é que, olhando para trás, tivemos muito poucas circunstãncias dessas. Mas, por outro lado, houve – por mim escrevo – um quase imediato reconhecimento e estima e admiração por ti. Não há bajulações gratuitas nas minhas palavras. Antes a nudez de artifícios que seguem na direcção da essência da questão. Não sei se gostas de azul ou amarelo. [passei agora por um campo de papoilas LINDO, em vermelho fogo, e estende-se. Isto vale a pena!!] dizia eu, escrevia eu, melhor. Não sei se gostas de azul ou amarelo. Não sei se gostas mais de dublin ou de lyon ou salamanca. Não sei se toleras melhor o frio ou o calor. Mas, sabes? Isso não me interessa. Porque são coisas que não fundamentam esta relação de dois anos e, como tal, não se tornam relvantes. Outras há que sim, que a tornam relevantes. E se há relações em que estas últimas demoram a ser reveladas, outras há que se assumem numa cadência temporal consideravelmente acelerada. Acredito que esta amizade particular se insere na primeira secção. Vejo quão complicado é, agora, fazer uma análise das razões que possam ou não justificar o porquê da ter acontecido assim. Mas, novamente, sabes que mais, não me interessa. Os “porquês” destas nossas existências tornam-se um verdadeiro dédalo quando queremos saber os porquês. A verdadeira questão reside, não nos porquês, mas, antes, nos ”como”. E é aí que as coisas se assumem, elas próprias, como singulares. Singular este cheque em branco. Costumo ser muito mais reservada e cautelosa do que aquilo que fui e sou contigo. Normalmente assaltam-se-me as defesas que, várias vezes, me colocam, inicialmente, longe das pessoas [não, não sou uma sociopata, de todo!!!!!]. mas a verdade é que – e mais uma vez não me interessam os porquês – conheceste o, relativamente, melhor de mim. [tem alturas sou intratável] Mas, sem saber que cor gostas, que cidade ou qualquer outra coisa que se assuma relativa, tenho em ti, melhor, vejo em ti, melhor ainda, sinto em ti a paixão que move. Acho que nestas coisas é como numa relação de namorados. Não só porque envolve uma paixão, mas porque há um compromisso celebrado de nós para nós que nos põe no lugar que, acreditamos, nos fará chegar, continuamente, um pouco mais longe. Na ausência dessa paixão, tudo o resto fica desprovido de sentido. Na ausência da paixão o namoro pode continuar, mas terá o seu fim anunciado. Até que acaba. Comparação parva esta, não? Eu digo-te, não. Apenas e só se distancia na quantidade de pessoas que, intrinsecamente, envolve. Tudo o resto, obviamente com as devidas adaptações, é, na sua íntegra, igual. Adormeces e acordas a pensar nas materializações da tua paixão. Irritas-te e surge o mau humor quando algo aparece em contra-producência [escrevi com ífen, mas não sei se é tudo junto...]. Brilha o olhar quando a evocas. Vinca-se o prazer quando a concretizas. Sedimenta-se a cumplicidade que só tu e ela [a paixão, não desvies os pensamentos!!] compreendem e alimentam. E diz-me lá se isto, entre outras coisas, não é comum a uma relação? Do que me lembro [e agora pareço uma melancólica a escrever] estas coisas que escrevi estavam no caldeirão quando estive numa relação. Agora deixei-me dessas coisas [e, decorre, já estar, nesta matéria, com as coisas meio apagadas. Mas não, se ainda te interrogas sobre se de facto me deixei dessas coisas. Não, mais uma vez.] redireccionar o norte neste texto que já estou a divagar. Escrevia eu, paixão. Reconheço-te isso. E mais que te reconhecer isso, sei que acreditas profundamente nela. E isso, meu caro, vejo tão escassas vezes. Acho que há um, entre vários, inimigos destas coisas, da paixão que nos move, entenda-se. Chama-se conformismo. E como odeio pessoas conformadas. “é assim, porque sempre foi assim, e sempre o será e, como tal, continuarei a fazer da mesma maneira!” Evolução é vocábulo que alguém se esqueceu de introduzir num dicionário dos conformados. Chateia-me, a sério que sim. E, mais uma vez, não escrevo na presunção, mas a realidade cresce quando nós crescemos intrinseca e comunmente [isto existe? Comum + mente, não sei como se escreve, se é que se escreve] com ela. E nela. As decisões são coisas tramadas de se fazerem. Porque toda e qualquer uma implica o lado menos bom. Mas, e então?


A questão ficou no ar: mas e então? Retomo, às 19.12 estas linhas que me acompanharão até cambridge novamente. Cambridge. Havias de gostar de cambridge. Mas não vou falar de cambridge. Vou continuar no seguimento da questão que se susteve durante o dia, amarrada, silenciada num computador desligado. Liguei-o novamente. O computador. E ficará sem bateria em momentos. Esgotá-la-ei. Mas, e então? Sabes, às vezes centro-me nas decisões que fiz na vida, as boas e as menos boas [porque na verdade, por piores que tivessem sido, trouxeram alguma coisa de bom. E daí serem menos boas. Nunca más]. Dou comigo a pensar que, nalgumas delas, sofria dum estado de dormência – consciente e saudável – que me permitiu continuar, incorrendo as consequências da próxima decisão. E digo-te, de coração aberto, como foi bom viver a sua grande maioria. Apenas uma, e uma só, lamento de não ter cessado mais cedo. Mas essa nada tem que ver com estas linhas. Outro campeonato. Acredito que todas as decisões que se fazem na vida nos marcam de forma incontornável. E todas elas, sem excepção, acrescentam um vocábulo – denso, com a definição que ocupa diversas páginas – à nossa existência. Não sei se acontece contigo, mas comigo já aconteceu diversas vezes. Quer dizer, não foram assim tãããoooo diversas. Umas duas ou três vezes. Mas existem alturas em que digo, com a convicção da paixão que me move, em alto e bom som, que hei-de conseguir determinada coisa. E acredito inteiramente nisso. E a coisa acontece. Olha, não vás mais longe. O estar em londres. Disse sempre, após prestadas todas as provas, que estava com imensa fezada que iria conseguir. Um tiro no escuro, total. Mas acreditei. E aqui estou eu, ainda acreditando que eles – os senhores da bolsa – se devem ter enganado e viram o nome mais abaixo ou mais acima da lista.


Apetece-me escrever outra coisa.


Emoções. Arrepios. Há um momento dum determinado filme – que por ser uma sequela não está tão brilhante como o pioneiro – Hannibal – que se circunscreve a uma passagem – em ópera – duma parte dum dos escritos de dante [la vita nuova] e que se chama vide cor meum [acho que é assim]. São cerca de dois minutos duma emoção acentuada pela belissima interpretação que fizeram no filme. Isso emociona-me. Como me emociona o Nessun Dorma de Puccini ou, ultimamente, o Barbeiro de Sevilha de Rocini e uma composição do Karl orf, que me escapa agora o nome. À semelhança de ti, emociono-me frequentemente. À não semelhança de ti, materializo involuntariamente essa emoção em fluxo lacrimal. A verdade é que há momentos que arrebatam uma pessoa. Lembro-me dum, particular. Den Haag, Haia, para os amigos. Maurithuis, museu de arte flamenga. Sala pequena aquela. E um vermeer pendurado na parede. O sublimemente pintado “rapariga do brinco de pérola”. O meu coração, sei-o eu, parou por milésimos, na sua cadência ritmica. Mas parou. E existem estes momentos que nos arrebatam. Não são viagens à lua ou a vitória num qualquer euromilhões. São momentos contidos numa dimensão que se alastra, ela própria, em tempo e lugares diferentes. [isto está a ficar muito abstracto].


Vou-te falar do sol. Está sol e calor em londres. E continua sol a caminho de cambridge. O céu aqui tem as nuvens, ou os breves resquícios que delas sobram, levemente esboçados. Em traços arrastados. A luz trespassa as árvores que, cumprimentando o estio, carregam verdes que nunca vira na vida, tornando-os em amarelos pujantes de brilho. Hoje de manhã, escrevi-te, vi um campo de papoilas. Que belo. Nunca pensei achar graça a um campo de papoilas. Mas, com franqueza, guardavam e sublimavam em si um encarnado que rasgava as suaves colinas, estabelecidas em tons pardos e secos. Não pedia licença – o encarnado. Se o leão é o rei da selva, as papoilas são as rainhas das searas ou dos campos de vegetação rasteira. Elas é que mandam, parece. O sol, outra vez. Como sabes a inglaterra, a par com a holanda, é um festival de edifícios com o tijolo burro ou industrial, se quiseres. As marcas do tempo deixaram-nos – os tijolos – a deambular entre tons mais ou menos vivos, mais ou menos sujos. E todo esse escopo cromático, acentua-se à luz deste sol que, espero, veio para ficar. E digo-te. A improvável beleza que suscita este material construtivo, fica assegurada.


A bateria está no fim. E enviar-te-ei este mail, tal qual está, assim que chegar. Tendo a perfeitissima noção de que excedi o tolerável para assegurar uma leitura minimamente interessante. Mas como te disse, escrevo-te sem grandes ensaios. E como tal, o que me vem à massa cinzenta que me resta, é o que fica timbrado, virtualmente, nestas páginas que o gates achou serem giras.


Fica um beijo imenso,
A.







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